Star Wars: A Ascensão Skywalker

Capítulo final da jornada Skywalker é marcada por um roteiro desconjuntado, que se acovarda de decisões anteriores e opta por uma reciclagem sem criatividade de elementos já cristalizados na franquia”

Por Luís Gustavo Fonseca

Atenção: o texto envolve comentários sobre alguns aspectos de “A Ascensão Skywalker” que não são mostrados nos trailers. A leitura é recomendada para depois de assistir ao filme.

Ao longo dos últimos 42 anos, “Star Wars” se estabeleceu como a franquia mais popular e influente da história do cinema. A trilogia original, iniciada em 1977, cativou toda uma geração de fãs, que transformaram os ótimos longas originais, que retratam a clássica luta entre “o bem e o mal” com uma pegada de aventura, sci-fi e fantasia, em algo praticamente sagrado. A premissa simples, bem executada ao longo da trilogia e que contava com personagens cativantes, enraizou-se na cabeça de crianças e jovens daquela época, virando sinônimo de nostalgia e de “bons tempos” para milhares de pessoas.

Ao final dos anos 90, George Lucas, criador deste universo, tentou conquistar uma nova geração de fãs, expandindo a franquia ao mostrar as origens de um de seus principais personagens: Darth Vader, antes Anakin Skywalker. A nova trilogia debruçou-se sobre os aperfeiçoamentos de efeitos especiais que agora eram possíveis, em relação a década de 80, mas não conseguiu reproduzir o mesmo fascínio de antes, resultando em três filmes, no mínimo, contestáveis, se não for para ter uma avaliação mais negativa. 

A franquia voltou com tudo em 2015, com o lançamento de “O Despertar da Força”, dando início a uma nova trilogia que, em “A Ascensão Skywalker”, promete chegar ao fim da jornada Skywalker. Além da responsabilidade de ser o capítulo final dessa história de nove episódios, o novo filme ainda deve lidar com a recepção não unânime em torno de “Os Últimos Jedi”, obra do meio dessa nova trilogia e que teve a coragem de apresentar uma abordagem ousada e diferente em relação a elementos cristalizados na franquia, como o papel dos Jedi, a imagem em torno de Luke Skywalker (Mark Hamill) e sobre quem é e de onde vem, de fato, a nova protagonista, Rey (Daisy Ridley).

Star Wars Episode IX: The Rise of Skywalker screen grab CR: Lucasfilm

Por um lado, muitos gostaram desse passo rumo ao futuro, não tão preocupado com os acontecimentos do passado e mais focado nos novos personagens. Por outro, cenas como Luke jogando fora seu icônico sabre de luz e a subversão de expectativas criadas em “O Despertar da Força” fizeram com que outra parcela dos fãs torcessem o nariz para o filme. Diante deste contexto, o retorno de J.J. Abrams, que dirigiu o Episódio VII, em “Ascensão Skywalker”, configura-se como uma tentativa de “corrigir” o curso proposto em “Os Últimos Jedi”, optando por um caminho de desfazer e mesmo ignorar os acontecimentos do episódio VIII.

E oh boy, isso é a pior coisa que poderiam ter feito.

TROS 06

A primeira decisão de ruptura da trama é tirar o destaque de antagonista de Kylo Ren (Adam Driver), agora Líder Supremo, e recolocá-lo em cima de um velho conhecido dos fãs: o Imperador Palpatine (Ian McDiarmid), que retorna para ocupar, mais uma vez, o posto de grande vilão da franquia. Planejando a chamada “Ordem Final”, Palpatine tem certeza que seu novo plano irá esmagar o restante da Resistência e restaurar seu poder sobre toda a galáxia.

Enquanto isso, a Resistência faz de tudo em seu alcance para evitar que os planos do Imperador se concretizem. Rey se concentra em seu treinamento Jedi, tendo Leia (Carrie Fisher) como guia, enquanto Poe Dameron (Oscar Isaac), Finn (John Boyega) e os demais lutam para conseguir informações sobre a localização do vilão. Na companhia de Chewie, C3PO e BB-8, o trio parte em uma missão derradeira que irá definir o futuro do universo.

TROS 07

Abrams assina o roteiro ao lado de Chris Terrio (“Batman vs Superman”) e a trama apresenta, como um de seus problemas, uma desconjuntura em relação aos arcos propostos anteriormente, resultando em uma história que não tem um foco definido. O enredo se divide em diferentes núcleos e a primeira metade do longa alterna de modo apressado entre eles, servindo mais para confundir do que criar uma história coesa – curiosamente, a edição atrapalhada também é um dos graves problemas de “Batman vs Superman”.

Essa alternância constante entre os núcleos, que pouco desenvolvem os personagens, também resulta em um ritmo frenético, caracterizado por muita ação, mas pouco conteúdo. As cenas de ação são boas e continuam em sintonia com o padrão dos novos filmes, mas elas acabam não tendo o mesmo impacto que outros momentos, como, por exemplo, a luta entre Rey e Kylo Ren na Star Killer ao final de “O Despertar da Força”. Os cenários escuros e com pouca luz, como de praxe, também são um fator que atrapalham uma melhor apreciação dos embates aqui, com destaque para o clímax – nas projeções 3D, isso fica ainda mais agravado.

TROS 04

Se os problemas fossem só esses, ainda seria possível relevar. Infelizmente, não é o caso. Ao tentar desfazer tudo que foi feito em “Os Últimos Jedi”, Abrams e Terrio criam uma trama acovardada, sem inspiração e repetitiva. E repetitivo de uma forma quase literal, na qual as coisas acontecem da mesma forma como aconteceu anteriormente, melhor representado por uma recriação, apenas em maior escala, do final de “O Retorno de Jedi”. É o mesmo “jogar no seguro” que o “live-action” de “O Rei Leão” fez este ano, na qual ele se debruça na obra original de tal forma que não apresenta sequer um elemento novo. E o resultado é similar: ora, qual a finalidade de ver algo “recriado” de tal maneira, se a versão original consegue contar essa narrativa de forma tão satisfatória?

Também é um roteiro covarde, que aposta mais em fan services, easter eggs e outros aspectos ligados à nostalgia dos fãs em si, em detrimento de criar algo com maior comprometimento, com uma identidade própria. Um dos sinais dessa covardia é o arco (ou melhor, a falta dele) de Rose Tico (Kelly Marie Tran), personagem apresentada no episódio VIII e que foi alvo de vários fãs, a ponto de Marie Tran ter que sair das redes sociais devidos aos ataques que sofria. Mesmo que a sua história no capítulo tenha problemas e não seja tão bem apresentada quanto os demais personagens novos, lhe é completamente negada, neste filme, a oportunidade de fazer parte da história – a ponto de haver uma linha de diálogo na qual ela justifica, pobremente, um motivo qualquer para não se envolver na trama ao lado dos demais personagens. O seu lugar é ocupado por novos rostos que, com pouco tempo de tela e tanta coisa acontecendo, também não conseguem desenvolver qualquer tipo de personalidade.

TROS 05

A falta de comprometimento e coragem do texto é caracterizada por desfazer qualquer incidente mais grave que acontece na história. O artifício de “matar” um personagem importante, pelo qual o público se importa, poderia ser uma forma de dar seriedade a história e, de alguma forma, ajudar a desenvolver os demais personagens. Mas toda hora que o roteiro escolhe essa alternativa, ele volta atrás quase que imediatamente e desfaz o acontecimento, tranquilizando o espectador de que “tudo está bem e como era antes”. Tanto que, depois da segunda vez que o texto utiliza esta estratégia – isso, em um intervalo de 30 minutos -, o artifício fica manjado e as “reviravoltas” futuras, que deveriam mexer com seu emocional, não causam impacto nenhum. É como se você assistisse a morte da Viúva Negra em “Vingadores: Ultimato”, mas ela voltasse plena duas cenas depois, pronta para enfrentar o exército de Thanos ao lado de seus amigos.

A descontinuação dos arcos é o pior legado que este filme deixa. Poe, o promissor líder rebelde e que tinha aprendido lições importantes ao longo das obras anteriores – principalmente, após seu episódio de desobediência em “Os Últimos Jedi” – acaba sendo reduzido a uma cópia barata de Han Solo, desde a profissão até o aspecto “mulherengo”. Novamente, é uma repetição de elementos que cansa e não coloca nada de novo para o espectador. 

TROS 08

Kylo Ren poderia cumprir um arco satisfatório como vilão, sobretudo pela forma como ele chacoalha a estrutura do lado sombrio da Força no episódio VIII, distanciando-se da função de “capataz” de Darth Vader e tornando-se a principal força antagonista da trama. Mas aí, na introdução do filme, ele passa a trabalhar para Palpatine, perdendo completamente seu protagonismo. O previsível (e, particularmente, que eu não desejava) arco de redenção é muito mal desenvolvido, sem trabalhar melhor suas motivações, causando a forte impressão de ser algo forçado e, mais uma vez, de pouco impacto emocional. Mesmo a boa atuação de Adam Driver é incapaz de salvar o papel do então Líder Supremo, que encontra seu ponto mais baixo na trilogia.

Outro paralelo com “Batman vs Superman” pode ser feito em relação a Palpatine e seu plano, que tem ainda menos sentido do que se comparado ao de Lex Luthor no filme da DC. Rey é uma peça importante para que ele concretize seu retorno grandioso, mas ele transita, sem maiores explicações, de “mate ela para mim, Kylo” para “Preciso dela viva!”, até resultar em um desfecho patético – e que, novamente, é apenas um reflexo desfigurado da resolução de “O Retorno de Jedi”. A decisão pelo seu retorno é um dos principais erros do roteiro, que influencia no empobrecimento de vários arcos dos novos personagens.

TROS 02

Por fim, a descontinuidade que mais prejudica o que foi feito nos últimos filmes é terem voltado atrás na origem de Rey. O fato dela ser filha de “ninguém” é uma das subversões mais bem-vindas de “Os Últimos Jedi”. Mesmo que ela não tenha relação com alguém importante, de alguma família especial da franquia, ela conseguiu provar seu caráter, índole e habilidades. Ela carregava uma mensagem de que, não importe sua origem, você pode ser alguém grandioso e fazer a diferença no mundo – no caso dela, no universo. É sobre isso, essa inspiração, que a cena final do episódio VIII, brilhantemente, fala. E é uma mensagem equivalente ao “qualquer um pode usar a máscara” de “Homem-Aranha no Aranhaverso”. Ao voltarem atrás nesta escolha, da pior forma possível, o arco da personagem, sua importância e sua trajetória… Tudo isso se perde.

“Star Wars: A Ascensão Skywalker” é uma amálgama de tudo que já foi mostrado anteriormente, para o bem e para o mal. Muitos dos fãs irão aprovar o filme e se sentirão satisfeitos com o final. Entretanto, por mais que a obra ainda se mantenha fiel ao intuito de ser uma produção “leve e divertida”, sem grandes pretensões, é de se lamentar que a saga, sobretudo a nova trilogia, termine com a sensação de ser uma repetição de tudo o que já foi visto antes, com pouca ou quase nenhuma evolução dos personagens ou do universo. Uma pena se pensar que a franquia, ainda tão relevante nos dias atuais e com uma enorme base de fãs, poderia ter sido mais corajosa, ter apresentado novas reflexões e ajudado os espectadores a enxergarem o mundo de uma maneira nova, diferente e mais abrangente. Trabalho agora que os futuros filmes, que finalmente irão se desgarrar da família Skywalker (ao menos, é a expectativa), terão que realizar. E uma tarefa que, talvez por própria resistência de uma parcela dos fãs, não será fácil de cumprir.

Nota: 3,5/10.

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